Papagaios

Pequenas prateleiras para elevar a luz e guardar as coisas preciosas da casa: pesquisa e desenvolvimento de produto

Conhecidos como papagaios, estes utensílios de madeira estão espalhados um pouco por todo o país, mas encontram-se sobretudo nas casas do Sul. Por terem perdido a sua utilidade prática, estão quase desaparecidos ou esquecidos, mas vale a pena voltar a olhar para eles.

O papagaio é um objecto que, depois de ser fixado numa parede da casa, é usado para suportar um destes objectos: o candeeiro a petróleo ou o recipiente para beber água, estando o papagaio instalado por cima dos cântaros. Uma das suas características mais cativantes é o facto de cumprir uma função prática bastante humilde, que poderia ser resolvida com formas mais diretas do que aquelas que lhe conhecemos.


No modelo mais comum, o papagaio é constituído por 3 peças, geralmente de madeira: uma superfície vertical, que acompanha a parede, na qual se fixa um tabuleiro horizontal, destinado a suportar o objecto lá pousado e, por fim, uma poleia que segura o tabuleiro. Existem versões onde aparece uma pequena gaveta (que se diz servir para colocar a caixa de fósforos). Outra variação apresenta dois braços que seguram o tabuleiro de cada lado, substituindo a poleia. Estes braços serviriam também de guardas, atribuindo a este modelo a vantagem de barrar lateralmente o candeeiro a petróleo, evitando a sua queda.

O tabuleiro horizontal, geralmente rectangular ou em semicírculo, avança o suficiente para acolher o tamanho do candeeiro. As linhas simples deste tabuleiro contrastam com as formas livres da poleia e, sobretudo, da face frontal, que se mostra ao observador com pormenores decorativos mais ou menos complexos, expressando a imaginação e destreza do seu criador. O cuidadoso trabalho dos temas decorativos sugere que este objecto tem uma importante função estética e afectiva no espaço doméstico.

Quanto mais olhamos para estes papagaios, mais perguntas se levantam. Sabe-se que seriam de produção caseira, sendo vendidos em feiras pelas mesmas pessoas que produziam e comercializavam prateleiras, bengaleiros ou bancos. É possível encontrar alguns (poucos) modelos fabricados em série, com recurso a máquinas, mas na maior parte dos papagaios são visíveis as marcas de ferramentas manuais, além da personalização dos desenhos. Não se conhece a origem do nome, mas presume-se que esta possa estar relacionada com a semelhança da sua forma ao poiso de um papagaio, ou até ao próprio animal.

Porque é que um objecto com um propósito tão simples aparece como um destaque de casas modestas, onde poucos objectos apresentam semelhante trabalho decorativo? O que é que isto diz da relação dos seus donos, muitas vezes pessoas em situações de grande pobreza material, com o objecto e com as duas actividades que lhe estão associadas: o iluminar a casa e o saciar a sede? Os papagaios aparentam ser objectos queridos da casa, porquê? Estas perguntas levam-nos a um plano da produção material onde a simplicidade formal e a expressão artística coabitam naturalmente. São objectos autorais sem autor, que despertam a curiosidade de quem olha com atenção para a sua discreta exuberância e nos falam da construção prática e emocional da vida doméstica.

A partir dos exemplares que temos vindo a encontrar e recolher, das conversas com quem os tem e faz, desenhámos quatro modelos que podem ser adquiridos na loja da Origem Comum.


Parceiros na investigação:
Centro de Investigação e Informação do Património de Cacela / CMVRSA
Museu do Traje de São Brás de Alportel

Imagens 1, 2, 3 e 4:
Instituto Nacional de Investigação Científica/Centro de Estudos de Etnologia/Instituto Investigação Científica Tropical/Museu de Etnologia. (1985). Desenho Etnográfico de Fernando Galhano: vol.I – Portugal. Lisboa.
Varanda, Fernando. (2002). Mértola no Alengarve: Tradição e mudança no espaço construído. Assírio e Alvim, Lisboa.

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