Modos de fazer e de usar ao sul de Portugal
No Sul as coisas são diferentes. Das planícies do Baixo Alentejo, passando pelos “cabeços” monótonos da Serra Algarvia e acabando no Barrocal, o espectro de cores, texturas e formas não é alargado.
O mesmo se pode dizer das matérias primas existentes – de cariz rude, seco e árduo, não deixam muitas possibilidades às mãos ou à imaginação. É certo que esta região tem uma história de ocupações díspares mas, para além de influências na forma e nos saberes, é o ecossistema que condiciona a cultura material do quotidiano. O entorno ambiental, a paisagem e o clima são os factores predominantes na caracterização dos utensílios domésticos tradicionais, na sua simplicidade e economia. No seu conjunto são artefactos de uma elegante rudeza. As ferramentas, vasilhame e outros artefactos raramente ostentam decoração e parecem ter sido feitos estritamente para cumprir as funções básicas. Esta modéstia leva à generalização na utilização e escassez de soluções específicas: o mesmo modelo de alguidar serve quer para lavar a roupa quer para temperar comida. É certo que a maioria dos utensílios do dia-a-dia era produzida no meio doméstico pelos próprios utilizadores – servindo-se apenas da experiência das gerações anteriores – mas mesmo o artesão que comercializa o que produz, parece “copiar” e repetir mais do que transformar e inovar.
O desenvolvimento dos produtos releva-se lento e muitos mantêm a morfologia e decoração dos exemplares mais antigos. As poucas soluções pontuais interessantes – fruto de gosto pessoal ou alguma circunstância particular – não são assimiladas no receituário corrente; não geram novos produtos nem influenciam hábitos e costumes. O fabrico artesanal não tem uma evolução clara talvez pelo individualismo da actividade. Num monte da serra fazem-se as coisas do dia-a-dia com a palma, esparto ou cana ali colhidos; ali são usadas e ali inutilizadas.
A relação que as gentes estabeleceram com o seu meio, os modos de subsistência encontrados e o modos de fazer daí nascidos são talvez a lição mais profunda a retirar destes saberes artesanais. Existe uma relação estreita com a envolvente, conhecendo ao detalhe e aproveitando ao máximo o pouco que a natureza fornece. Muitos elementos construtivos são recolhidos no campo sem qualquer transformação prévia: a bifurcação de uma árvore serve de suspensão a um carro, um nó num sobreiro produz um cucharro e os bicos de pita (Aloé Vera) depois de secos servem para comer caracóis. Posteriormente, os materiais industriais entraram neste ciclo mas o fenómeno não se alterou. O processo de recolha e adaptação inclui agora embalagens vazias e outros desperdícios. Enquanto uns são convertidos na sua forma original, como os CDs pendurados nas árvores que se tornam espanta-pássaros, também se aplicam velhas técnicas a novos materiais: empreita de tetra-pak ou de fitas de plástico. Recorre-se ao meio natural e construído sem diferenciação, dando forma ao mundo com o que se tem à mão, numa cultura do “viver com pouco”.
Realizada para a exposição DESIGNFORFUTURE 2009, a acção “Cultura Intensiva” apostou num desenho de produto guiado pelos modos de fazer desta cultura, na óptica de um desenvolvimento à margem de contaminações modernizantes. O projecto estendeu-se por 4 semanas, incluindo produção de catálogo, e juntou artesãos tradicionais dos mais variados ofícios, como empreita de palma, de esparto e madeira de oliveira.
Os resultados apresentados não são novos, nem tentam ser contemporâneos, apenas retomam o seu percurso evolutivo onde o tempo os deixou. Não pretendem ser novidades em artesanato nem protótipos de uma nova cultura material, mas algo mais gradual e razoável. Tratam-se dos objectos de antigamente que se manifestam e batem por novos contextos e outros modos de serem funcionais.